DEPOIS DAS CINZAS
Alberto Bittencourt
DEPOIS
DAS CINZAS
Alberto
Bittencourt
Natacha e Viviane desde pequenas andavam sempre juntas. Comungavam dos mesmos gostos e esperanças, das mesmas manias e pensamentos. Em casa, na escola, nos estudos, nas festas, nas brincadeiras, não se via uma sem a outra, não se falava de uma, sem se falar da outra.
No colégio, sentavam lado a lado. Era comum, nas provas, os professores desconfiarem: Teriam filado? Precisavam de muitos argumentos para convencê-los do contrário. Nas traquinagens, sempre cúmplices.
Nesse sábado de carnaval, Tacha e Vivi perambulavam de mãos dadas pelo centro do Recife. Nas ruas apinhadas, o Galo da Madrugada era uma mistura de suor, cerveja e frevo. No frenesi dos trios elétricos, pulavam, dançavam, cantavam, gritavam. Ir em casa, só para dormir. A vida ficara para trás.
O domingo as encontrou nas ladeiras de Olinda, nos maracatus, nos blocos de rua, no Elefante e Pitombeira. Tacha e Vivi, no esplendor dos 16 anos a se descobrir e descobrir um mundo de fantasias, de alegria, para elas real. Depois no Recife Antigo, de palco em palco, arrastadas pelo frevo, a ferver até o sol raiar. Sabiam que um dia o carnaval acabaria e a vida voltaria ao normal.
As duas jovens tipificavam a mulher atual, anônima, estudando, trabalhando, na busca de se encontrar, se superar. Tacha, um pouco mais rechonchuda, morena de sol, cabelos castanhos, compridos e lisos. Vivi mais clara e mais magra, pouco mais alta, olhar vivo, inquieto, curioso, a querer descobrir o lado oculto das aparências. As famílias tinham ido para a praia e as deixaram soltas.
Tacha e Vivi tinham tudo, do celular topo de linha, ao computador de última geração. Nada lhes faltava, não tinham do quê reclamar. A não ser aquela vontade imensa de ser querida, de se sentir gente, de ser ouvida e considerada. Não encontrando em casa, procuravam nas ruas, nas festas, nas baladas.
Embora fossem bastante assediadas pela rapaziada, não curtiam namorados. Elas se bastavam.
Os dias de carnaval passaram rápidos. Quarta-feira de cinzas, depois o vazio de sempre, a rotina entediante, as cobranças.
De repente fotos íntimas das duas vazaram na internet. Humilhadas, não sabiam o quê fazer. A pecha estava lançada. Só queriam fugir, se esconder. Sentiam vergonha das famílias e dos amigos.
Tomadas de emoção, subiram ao terraço do prédio, no 19º andar. Um pacto silencioso se estabelecera: continuar no mundo dos sonhos, sem deveres, nem reprimendas. Continuar no mundo da liberdade, poder voar, ser livre para sempre, enfim.
De mãos dadas, pularam.
Para as duas famílias o choque foi tremendo. Duas jovens, bonitas, na flor da vida, tendo tudo o que queriam, expostas desse jeito, para quê? Nas sacolas, deixadas no terraço, encontraram bilhetes com pedidos de perdão e declarações de amor aos pais. E mais: pediam para serem cremadas, as cinzas misturadas e lançadas por aí.
Assim, quando as pessoas sentissem o afago do vento nos cabelos, o beijo da brisa no rosto, seriam elas, Natacha e Viviane, a lhes dar o carinho, o amor que nunca receberam.
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